Gordofobia existe até em ônibus: "Sinto frio na barriga ao ver a catraca"
Lembro como se fosse ontem. Ao lado de amigas blogueiras e produtoras celebrávamos a primeira participação de modelos gordos no São Paulo Fashion Week, o evento de moda mais importante do Brasil. Estávamos radiantes por mais essa conquista. Ao sair do desfile na Bienal do Ibirapuera, rumo ao ponto de ônibus, logo voltamos à realidade. Metade da turma conseguiu passar da catraca, metade não. Ali estava dado o recado: o mundo ainda não é feito para pessoas gordas.
Enquanto falamos em moda e representatividade na cultura pop, muitos ainda não conseguem usufruir de direitos básicos como tratamento humano e acessibilidade na saúde ou mesmo ao transporte coletivo. Especialmente em ônibus há constrangimento, desconforto e dificuldades diárias.
"Ela deveria emagrecer"
Foi isso o que ouviu a professora Valéria Silva ao entalar às 7h30 da manhã na catraca de um ônibus lotado em São Paulo. Ninguém parou para pensar que o problema está na falta de um design universal que inclua cada vez mais usuários de diferentes tipos de corpos e não em quem tem a circunferência mais larga. A acessibilidade é um direito de todos, – sejam gordos, idosos ou cadeirantes -, é uma conquista social que nos permite exercer a nossa plena cidadania.
Somente há pouco tempo o analista de sistemas Hélio Pimentel se deu conta dessa segregação, principalmente nos ônibus de São Paulo, Capital. "Nós, gordos, temos que ficar confinados na parte da frente, que costuma representar 1/3 do ônibus ou menos. Parece muito natural que 2/3 dos lugares não estejam disponíveis para nós", desabafa. "Se devemos ter rampas para facilitar a acessibilidade, por que não catracas razoáveis?", questiona.
Saída acaba sendo apps
Muitos acabem optando por gastar mais e utilizam apps de mobilidade urbana como o 99 ou Uber para fugir do desconforto e de constrangimentos. Renata Marcelino relata o caso de sua irmã Rafaela, que é gorda e tem Síndrome de Down. "Além da escada ser muito alta, ela não consegue passar pela catraca, então a todos os lugares que vamos somente de carro ou metrô. Porém até chegar à estação de metrô mais próximo precisamos pegar um carro", conta.
"Toda vez que preciso pegar um ônibus é aquela apreensão e friozinho na barriga por conta da catraca. Na maioria das vezes pego um Uber ou 99 para me livrar dessa situação", conta a jornalista e modelo Genize Ribeiro. "Usar apps ou táxi acaba sendo a melhor saída para quem não tem carro ou condições de pagar mais caro por uma acomodação que 'sirva"', diz Danielle Cristiano, que é corretora de seguros e corredora de rua.
Poltronas dos aviões são pequenas
Em aviões não é diferente. Mesmo as opções "conforto" das companhias aéreas são paliativas pois oferecem mais espaço para as pernas, mas a largura das poltronas é sempre a mesma. E é discriminatório fazer com que uma pessoa gorda pague por dois lugares para ter mais conforto. "Sempre tenho que pedir extensor de cinto. Se o cinto fosse 30 cm maior serviria, mas nunca dá", conta a jornalista e escritora Jéssica Balbino. "Já levei cotovelada de uma senhora de São Paulo ao Rio de Janeiro até perguntar a ela se tinha algum problema comigo", relata a empresária Camila Oliveira.
Muitos não sabem, mas gordos de porte maior têm direito à assento especial em transporte público, de acordo com a Lei Federal nº 13.146/2015. Nesta nova lei foi trazida a diferença entre "pessoa com deficiência" e "pessoa com mobilidade reduzida", na qual os gordos maiores se encaixam. Nisso entra outra questão bem particular e que tem sido muito discutida entre ativistas da questão: se lutamos para sermos vistos como pessoas não doentes e incapazes, é certo fazermos uso dessa lei? Por outro lado, pessoas gordas com maior dificuldade de movimentação permanente ou temporária precisam sim ser contempladas.
"Recentemente no metrô um cara ficou visivelmente incomodado e bufando para mim, levantou-se e mudou de lugar", conta a professora Margot Jansen, que chegou a desenvolver pânico de andar de ônibus na adolescência, por conta de tanta chacota e desconforto sofridos. Mas hoje em dia ela se deu conta de que o problema não está nela e sim em quem não sabe conviver com diferentes tipos de pessoas. E de quem não permite a construção de um novo mundo que inclua de fato todos os seres humanos.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.