Não quero criar um padrão de beleza gordo: quero a quebra total dos padrões
Flávia Durante
03/08/2017 04h00
Turma da moda plus size: a maquiadora Nata di Paula, a empresária fashion Sheila Giraldini, a jornalista Giovana Baria e a assistente comercial Lilian Barbosa. Plenas, em seus modelitos. (Foto: Robson Leandro/Divulgação)
Há quase 10 anos se fala em moda plus size no Brasil e o mercado do segmento cresceu muito de lá para cá, enquanto o do vestuário em geral sofreu queda. Mas ainda são poucos os espaços fixos de uma mulher gorda na grande mídia falando de moda, beleza, comportamento. Por isso fiquei muito feliz com o convite do UOL para esse espaço!
Nós, gordos, já somos a maioria da população. Segundo o IBGE, 56,9% da população brasileira adulta está acima do peso. Mas apenas 17,5% do varejo oferece opções em tamanhos grandes e somente 3,5% das lojas são especializadas, segundo o Sebrae.
Não queremos só lacrar, usar roupas lindas e estar sempre impecáveis. Queremos estar nas capas das revistas, nas campanhas e nos palcos mas também nas redações, nas agências, no professorado e nas diretorias. Já estamos na passarela da São Paulo Fashion Week e da Semana de Moda de Nova York, mas ainda brigamos por assentos maiores nos banheiros e nos aviões.
Estamos no palco arrasando ao lado de grandes artistas do pop, mas temos que provar saúde e competência o tempo todo. Já estamos na capa de grandes revistas de moda no mundo todo, mas uma das maiores modelo do segmento, a brasileira Fluvia Lacerda, ainda tem sua imagem constantemente atrelada a uma mulher magra. Fluvia costuma ser chamada de "Gisele Bündchen plus size" pela mídia. Por quê?
A top Fluvia Lacerda é ícone da moda. Ela não precisa ser associada a Gisele. (Foto: Divulgação)
A moda é parte da nossa personalidade e estado de espírito e é uma das formas de expressão mais legítimas. O simples "estar na moda" foi reprimido aos gordos por muito tempo. Tivesse você 20, 40 ou 60 anos, o estilo para se vestir era o mesmo.
As mulheres dispunham da famosa dupla calça legging com camisetão e dos vestidos saco de batata. E os homens, da roupa de tiozão no maior estilo lona de circo.
Foram as blogueiras plus size que surgiram em 2008 e 2009 no Brasil que começaram a cobrar as grandes redes, exigindo roupas em tamanhos maiores do que o 44. Muitas mulheres gordas, cansadas de não serem incluídas pelo mundo da moda, começaram a abrir seus próprios negócios.
Foi o meu caso. Sou jornalista de comportamento e cultura e era daquelas que detestava moda. Até que, no final de 2012, para ganhar um dinheirinho extra no Natal, investi 500 reais em biquínis plus size para revenda. Para poder vendê-los criei um pequeno bazar para o qual convidei meia dúzia de marcas autorais que eu já consumia.
Essa sou eu, em momento do Pop Plus, o bazar plus size que criei (Foto: Arquivo pessoal)
O que começou como um pequeno evento entre amigas virou um dos maiores eventos de moda plus size do mundo. O Pop Plus hoje acontece em plena Avenida Paulista, reunindo em média 60 marcas e 8 mil pessoas por edição. Larguei as redações e há um ano trabalho exclusivamente com o evento e seus desdobramentos.
Não há preço que pague ver o sorriso de uma mulher que aos 30, 40, 50 anos consegue realizar o sonho do seu primeiro vestido, biquíni ou calça jeans na medida certinha para seus corpos. Sem humilhação nas lojas, sem ajustes, sem esconder o seu corpo, apenas revelando sua identidade e expressão e sendo feliz quem é. A moda é um universo fascinante e que não deveria jamais ser inimigo da autoestima!
Não quero criar um padrão de beleza gordo e sim contribuir para a quebra total de padrões. Neste blog, não apontarei o dedo para modelos e artistas magras e sim para o sistema que faz com que só elas sejam valorizadas. Não criticarei celebridades que decidam emagrecer e sim a indústria que faz com que o Brasil seja o campeão na venda de remédios para este fim.
Esse blog vai falar da mulher gorda e mostrar exemplos positivos na moda, nas artes, nos esportes e no empreendedorismo.
Hoje, a moda plus size está bem melhor do que há 10 anos, por causa da pressão constante de consumidoras e de ativistas. Pela visão dos empreendedores que já apostaram nesse mercado. Mas ainda há bem pouco varejo de rua, dependemos de lojas especializadas, e-commerce e eventos esporádicos pois as grandes redes ainda têm coleções inconstantes para as gordas.
A moda foi o primeiro grito de visibilidade e representatividade da mulher gorda. Ainda há um longo caminho pela frente! Vamos nessa?
Sobre a autora
Flávia Durante tem 41 anos e é comunicadora, DJ e empresária nascida em São Paulo e criada em Santos. Desde 2012 produz a Pop Plus, feira de moda e cultura plus size, com média de público de 10 mil pessoas por evento. Ao longo destes 6 anos tem desmistificado conceitos e conselhos que mulheres (e homens também) vem ouvindo há décadas sobre os padrões da moda.
Sobre o blog
Um espaço para falar de mercado e moda plus size, beleza, acessibilidade, bem estar e autoestima.